Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em Karl Marx, Helmut Reichelt
Hector Benoit, Docente do Departamento de Filosofia/IFCH/Unicamp*
Título original: Zur logischen Struktur des Kapitalbegriffs bei Karl Marx. Publicação da Editora da Unicamp, Campinas/SP, 2013. Tradução de Nélio Schneider.
Não concordo, em parte, com Jorge Grespan, sobre o seu comentário na “orelha” deste livro, apesar de termos colaborado em muitos seminários sobre O capital durante uns anos e que o respeito como um dos melhores teóricos sobre Marx. Discordo do companheiro, em parte, naquilo que ele diz apresentando este livro. Diz Jorge Grespan que Helmut Reichelt “segue o caminho aberto por Rosdolsky na reconstrução do método crítico de Marx e vai além”. Escreve ainda Grespan que, para Reichelt, “(…) o flerte de Marx com a terminologia hegeliana visava a ocultar (grifo de HB) uma perigosa proximidade com a dialética idealista, uma coincidência entre a estrutura de O capital e da Lógica que, longe de ser negada, deve ser objeto de consideração cuidadosa”.
Confesso a Grespan, que, na minha opinião, nesse aspecto, não posso acompanhá-lo. Reichelt e Rosdolsky me parecem bem distantes, em primeiro lugar, porque uma afirmação dessa implica em ler a dialética a partir de Aristóteles e Kant, como uma lógica analítica. Porém, como diz o próprio Hegel, no final da Ciência de Lógica, foi Platão que criou a dialética, como confessou também Pierre Aubenque (um aristotélico). Diz lá Hegel e nas suas Lições sobre a história da filosofia (em citação livre): a dialética é uma ciência cujas formas platônicas vagaram por mais de dois mil anos baldias e incompreensíveis. Hegel as retomou e, como comenta Aubenque, Aristóteles quase não é citado na Ciência da Lógica. Lembro que nos Cadernos Filosóficos, Lênin copia a frase de Hegel atribuindo a Platão a criação da dialética.
Estas observações são importantes porque Rosdolsky foi um militante marxista da III Internacional, preso político na Segunda Guerra, assim como seguidor de Lênin e Trotsky, um dialético, analítico e sintético ao mesmo tempo (segundo Hegel, o momento superior da dialética), enquanto Helmut Reichelt não deixa de ser um (como ele próprio se intitula) “marxiano”, e não marxista, afastado da práxis. Reichelt certamente é analítico, enquanto discípulo da chamada “Teoria Crítica”. Esta teoria que nasceu inicialmente como crítica ao Partido Comunista Alemão e à URSS, foi, pouco a pouco, se afastando totalmente do marxismo e da crença no poder do proletariado como força transformadora da sociedade. Isto já fica claro na Dialética do esclarecimento, livro escrito por Adorno e Horkheimer e publicado em 1947. Para eles, os sistemas políticos e sociais são praticamente indiferentes, socialistas ou capitalistas. Já nessa obra, o marxismo praticamente desaparece de suas obras.
Na minha opinião, quilômetros de distância os separam, a Rosdolsky de Reichelt. Apesar de ambos estudarem os Grundrisse, os esboços de O Capital de Marx, no primeiro vejo uma visão militante revolucionária e realmente dialética (analítica e sintética), que tenta entender os esboços de O Capital e sua gênese. Para Rosdolsky não se trata de desconstruir O Capital a partir dos Grundrisse. No caso de Reichelt, vejo a tentativa de descobrir em O Capital uma lógica analítica “secreta” desvinculada de qualquer práxis. Rosdolsky tem suas raízes na III Internacional; Reichelt foi discípulo de Adorno e da Escola de Frankfurt, ou seja, jamais teve uma crença maior na revolução proletária e nos movimentos libertários. Basta lembrar que em 1969, Adorno chegou a chamar a polícia, quando estudantes invadiram a sua sala de aula. Assim, tanto Adorno como Reichelt representam marxianos quase ininteligíveis, herméticos, que inventam segredos na obra de Marx, talvez, para esconder o seu afastamento do marxismo militante, e não podem ser considerados propriamente marxistas. Reichelt sustenta que Marx “escondeu” o seu método, ou, como repito, diz Grespan na própria orelha do livro: “ocultou o seu método e não somente folheou a Lógica de Hegel, mas a teria estudado a fundo e a aplicado nos Grundrisse e em O Capital. Mas, nesta obra teria “mascarado” a dialética para não parecer idealista”. ler mais