chico de oliveira

Chico de Oliveira (1933-2019).

Nascido em Recife, em 1933, Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira graduou-se pela Universidade do Recife (atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPe) nos anos 1950 e trabalhou intimamente com Celso Furtado na SUDENE. Logo nos primeiros dias de abril de 1964 foi preso pela ditadura militar e esteve detido por dois meses na capital pernambucana. A convite de Octavio Ianni –, integrou-se ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), importante núcleo de pesquisa sobre a realidade brasileira e que, a partir de 1969, passou a se destacar como um reduto de resistência da intelectualidade democrática à ditadura militar. Entre 1993 a 1995, foi presidente deste Centro.

Em 1972, publicou Crítica à razão dualista – um ensaio que, de forma criativa e original, questionou leituras e interpretações clássicas sobre o desenvolvimento capitalista no Brasil. Nele, o autor, sob a orientação de suas leituras de Marx,  procedeu a “acerto de contas” com sua influência cepalina/furtadiana. Anos depois, em 1977, ainda no Cebrap, lançou Elegia para uma re(li)gião, uma análise crítica das concepções e atividades da Sudene no período anterior ao golpe de Estado de 1964. Um livro que, nos anos recentes, julga estar teoricamente superado. A relação completa de seus trabalhos, feita por um pesquisador de sua obra, pode ser conhecida aqui.

Em 2003, O ornitorrinco, juntamente com o ensaio de 1972, foi publicado por Boitempo editorial.  Para ele, como informa o blog de sua editora, este seria seu “livro favorito”. Em 2004, a obra seria agraciada com o Prêmio Jabuti em Ciências humanas.

Como outros pesquisadores de esquerda, cassados ou “malditos” pela ditadura militar, foi convidado a trabalhar na PUC-SP (1980-1988).  Em 1988, passou a integrar o quadro docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Atualmente, era professor titular aposentado da FFLCH-USP e continuava ativo junto grupo de pesquisadores do Cenedic-USP. Foi dignificado com vários prêmios acadêmicos por universidades brasileiras. Mas, nunca deles se vangloriou, pois estava permanentemente mobilizado na intransigente defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade e na democratização de todas as suas instâncias de decisões. Igualmente, na melhor tradição do pensamento crítico, foi um intelectual que nunca se omitiu diante dos desafios políticos postos pelas conjunturas políticas vividas. Foi um arguto, incansável e respeitoso polemista dentro e fora da universidade,

À esquerda do “marxismo acadêmico”, Chico de Oliveira – por meio de debates e palestras junto às entidades sindicais de servidores, centros acadêmicos estudantis, associações de docentes, sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais populares – sempre se solidarizou com as reivindicações democráticas defendidas por estes setores. Foi assim que, em setembro de 2009, aceitando o apelo de docentes, servidores e estudantes se tornou candidato à Reitoria da USP – na verdade, uma autêntica anticandidatura; por meio dela, buscou ser apenas o porta-voz dos setores críticos das desastradas e autoritárias reitorias de sua universidade.

Chico de Oliveira também teve uma participação direta na política partidária de esquerda. No início dos anos 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores; mas, desde sua fundação, manteve-se distante da burocracia partidária. Em 2003, rompeu publicamente com o PT por considerar que o governo Lula, ainda em seu primeiro ano, estaria “aprofundando a chamada `herança maldita´ de FHC e tornando-a irreversível”. Em dezembro de 2003, afirmou em artigo: “não votei para esse aprofundamento, mas contra ele.” Desde então, se aproximou do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) sem, contudo, se tornar um “intelectual orgânico” do partido.

Embora nos últimos anos estivesse com a saúde combalida, Chico de Oliveira permaneceu com a aguda lucidez que o caracterizou como combativo intelectual de esquerda; determinado e incansável, jamais ensarilhou as armas da crítica na luta pela realização de suas convicções democráticas e anticapitalistas. Neste sentido, os setores progressistas, democráticos e, em particular, os socialistas que – na atual conjuntura política brasileira têm sofrido amargas e significativas derrotas políticas – não podem senão lamentar a perda deste criativo pensador e generoso companheiro d´armas.

Este breve dossiê é uma singela homenagem à fecunda e generosa existência do bravo combatente.

Chico de Oliveira, PRESENTE!

Editoria de marxismo21 / 12 de julho de 2019.

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Chico é o nosso imortal!

Plínio de Arruda Sampaio Jr. *

O mais difícil não é ser bom e proceder honesto. Dificultoso mesmo é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.” Guimarães Rosa

Francisco de Oliveira é o intelectual brasileiro que encarnou de maneira mais apaixonada as esperanças e frustrações da Nova República. Em Critica à Razão Dualista, sua obra clássica, fundamentou a via da luta, de baixo para cima, como único meio para arrancar a justiça social de uma plutocracia patrimonialista aferrada a privilégios seculares. Em Ornitorrinco, uma corajosa autocrítica política, alertou que a combinação de desenvolvimento capitalista com justiça social não estava mais ao alcance dos brasileiros. A oportunidade de civilizar o capitalismo havia sido perdida. Instalava-se de maneira incontornável uma lógica perversa de regressão econômica e social.

Chico foi um intelectual criativo e corajoso. Era um desbravador. Abria picadas na mata, desconstruindo verdades estabelecidas e sugerindo novos caminhos. Nunca se acomodou aos confortos da academia e nunca tergiversou na hora de entrar em bolas divididas. Como Darcy Ribeiro, perdeu todas as batalhas que enfrentou. Agigantou-se em cada combate como intelectual e como ser humano.

Chico defendia com paixão suas convicções. Nele, palavra e ação eram uma coisa só. Para as novas gerações foi um exemplo de integridade. Guardo de Chico a imagem doce e generosa de um intelectual militante apaixonado. Com os mais jovens era sempre uma palavra de estímulo. Com os que estavam em apuros, uma mão amiga. Deixará muita saudade e será sempre lembrado entre os grandes intelectuais que se entregaram à causa dos explorados e dos oprimidos. Chico viverá conosco para sempre!

  • Plínio de Arruda Sampaio Jr é membro do Conselho Consultivo de marxismo21

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Depoimentos de membros do CC de marxismo2:

Davisson Cangussu de Souza

Ricardo Antunes

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Um mestre da dialética

Roberto Schwarz

Além de muito bons, os ensaios de Chico de Oliveira sobre a atualidade política são sempre inesperados. Isso porque refletem posições adiantadas, de que no fundo não temos o hábito, embora as aprovemos da boca para fora. A começar pelo seu caráter contundente, e nem por isso sectário, o que a muitos soa como um despropósito. Faz parte da fórmula dos artigos de Chico a exposição de todos os pontos de vista em conflito, sem desconhecer nenhum. Mas então, se não é sectário, para que a contundência? A busca da fórmula ardida não dificulta a negociação que depois terá de vir? Já aos que apreciam a caracterização virulenta o resumo objetivo dos interesses contrários parece supérfluo e cheira a tibieza e compromisso. Mas o paradoxo expositivo no caso não denota motivos confusos. Na verdade ele expressa adequadamente as convicções de Chico a respeito da forma atual da luta de classes, a qual sem prejuízo da intensidade não comporta a aniquilação de um dos campos.

Em várias ocasiões Chico acertou na análise quase sozinho, sustentando posições e argumentos contrários à voz corrente na esquerda. O valor desta espécie de independência intelectual merece ser sublinhado, ainda mais num meio gregário como o nosso. Aliás, o desgosto pela tradição brasileira de autoritarismo e baixaria está entre os fatores da clarividência de Chico. Assim, como não abria mão de levar em conta o que estava à vista de todos, o seu prognóstico sobre o governo Collor foi certeiro, antes ainda da formação do primeiro ministério1. Também a sua crítica ao plano Cruzado, publicada em plena temporada dos aplausos, foi confirmada pouco depois2. Nos dois casos Chico insistia numa tese que lhe é cara, segundo a qual a burguesia brasileira se aferra à iniciativa unilateral e prefere a desordem ao constrangimento da negociação social organizada. Ainda neste sentido, quando tudo leva a culpar o atraso de Alagoas pelos descalabros de Collor, Chico explica o “mandato destrutivo”  que este recebeu da classe dominante “moderna”, aterrorizada com a hipótese de um metalúrgico na presidência.

O marxismo aguça o senso de realidade de alguns, e embota o de outros. Chico evidentemente pertence com muito brilho ao primeiro grupo. Nunca a terminologia do período histórico anterior, nem da luta de classes, do capital ou do socialismo lhe serve para reduzir a certezas velhas as observações novas. Pelo contrário, a tônica de seu esforço está em conceber as redefinições impostas pelo processo em curso, que é preciso adivinhar e descrever. Assim, os meninos vendendo alho e flanela nos  semáforos não são a prova do atraso do país, mas de sua forma atroz de modernização. Algo análogo vale para as escleroses regionais, cuja explicação não está no imobilismo dos tradicionalistas, mas na incapacidade paulista para forjar uma hegemonia modernizadora aceitável em âmbito nacional. Chico é um mestre da dialética.

* Artigo-homenagem de 1992, escrito por ocasião do concurso de Francisco de Oliveira para professor titular da USP, e transcrito “sem prejuízo das ironias que o tempo acrescentou” como “adendo” ao “Prefácio com perguntas” de Roberto Schwarz em Crítica à razão dualista / O ornitorrinco.

1 Cf. Novos Estudos Cebrap,  n. 26.
2 Folha de S. Paulo, 16 de março de 1986.

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Síntese da formação histórica brasileira

(Este texto é o primeiro item do ensaio de abertura do livro Brasil: uma biografia não-autorizada, de Chico de Oliveira, publicado pela Boitempo em 2018.)

Chico de Oliveira.

Nascemos, como todos os países da América, dos dolorosos e cruéis processos de formação do Novo Mundo a partir das descobertas (?) ibéricas. Conosco, renasceu também o Velho Mundo. Uma extraordinária combinação: o novo, financiando a acumulação de capital – numa época em que os metais preciosos eram a forma por excelência do dinheiro –, provocou o renascimento do velho. Uma colonização inteiramente nova, cujo objetivo nunca foi, como nos séculos anteriores, apenas a conquista territorial – mesclavam-se propagação da fé cristã, comércio e exploração de riquezas comerciais. Conosco nasceu a modernidade. Éramos contemporâneos dela, seus fautores, junto com nossos conquistadores.

Isso não quer dizer que não houve guerra e extermínio. No Brasil, as estimativas mais recentes falam de um contingente de 2,5 milhões de autóctones em 1500, distribuídos dispersamente ao longo e ao largo do que corresponde hoje ao nosso imenso território; reduzidos, genocidamente, a pouco mais de 340 mil indígenas – apelido do equívoco de ter-se descoberto as Índias – concentrados sobretudo na Amazônia (cerca de 180 mil), com parcos, esquálidos mesmo, restos de população autóctone nas outras regiões brasileiras; estes, em geral, formam pequenos grupos, já na maior parte completamente aculturados, e situam-se no mais baixo estrato social, de uma pobreza extrema. Uma catástrofe epidemiológica que se ombreia com todas as grandes pestes europeias e asiáticas.

O sentido da colonização foi mercantil e se expressou, primeiro, na extração da madeira que daria nome ao que, no futuro, seria chamado “país do futuro”. Mas rapidamente transformado num empreendimento produtivo, numa colônia de produção ou de exploração, com a introdução da cana-de-açúcar, que os portugueses haviam transportado da África para a ilha da Madeira e transformado numa atividade lucrativa combinando lavoura e indústria. ler mais

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I. Textos (livros e artigos) de Chico de Oliveira

A Clonagem

A criação da SUDENE

A dominação globalizada – estrutura e dinâmica da dominação burguesa no Brasil

A economia da dependência imperfeita

A economia política da social democracia

A navegação venturosa – ensaios sobre Celso Furtado

A questão regional – a hegemonia inacabada

A reconquista da Amazônia

A volta e a reviravolta

Acumulação monopolista, Estado e urbanização

Aproximações ao enigma – o que quer dizer desenvolvimento local

Aves de arribação – a migração dos intelectuais

Crítica à razão dualista/O ornitorrinco

Deslocamento do centro dinâmico em Celso Furtado

El neoatraso brasileño

Elegia para uma re(li)gião

Fundo público

Hegemonia às avessas

Inovação, rigor e ascese

Intelectuais, conhecimento e espaço público

Jeitinho e jeitão

Malthus e Marx, falso encanto e dificuldade radical

Memórias do despotismo

Mudanças na divisão inter-regional do trabalho no Brasil

Notas intempestivas sobre a questão da universidade

O capital contra a democracia

O elo perdido – classe e identidade de classe

O Estado e a exceção ou o Estado de exceção

O momento Lenin

O surgimento do antivalor

O vício da virtude – auto construção e acumulação no Brasil

Os direitos do antivalor

Para entender a Revolução Peruana – do modo de produção asiático à crise de 1968

Pensar com radicalidade e com especificidade

Porque política

Quanto melhor, melhor – o acordo das montadoras

Subdesenvolvimento – fênix ou extinção

Um assalto contra a burocracia

II. Tese acadêmica:

O ovo do ornitorrinco: a trajetória de Francisco de Oliveira, Flávio da Silva Mendes

III. Entrevistas

Do dualismo ao ornitorrinco: Entrevista com Francisco de Oliveira, Marcelo Ridenti e Flávio da Silva Mendes

Chico de Oliveira: a crítica social como instrumento de diálogo público, por Ruy Braga e Wilker Sousa

IV. Artigos sobre a vida e obra

No olho do furacão: Celso Furtado e Francisco de Oliveira nos primeiros anos da Sudene, Flávio da Silva Mendes

Obra de Chico de Oliveira é bússola em momento sombrio do país, Ruy Braga

V. Depoimento sobre a trajetória de Chico de Oliveira, Flávio da Silva Mendes

VI. Vídeos:

Manifesto Comunista, Marx e Engels

O ornitorrinco

Crise do capital e perspectivas do socialismo Francisco de Oliveira

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