marxismo21 divulga trabalhos sobre Mário Pedrosa e Lívio Xavier que, a partir dos anos 1930, contribuíram de forma criadora para a difusão de categorias analíticas do materialismo histórico, decisivas para o conhecimento e crítica da formação social brasileira. Um lúcido ensaio destes dois fundadores da Oposição de esquerda no Brasil, bem como matérias (artigos, teses, sites, documentos etc.) – notadamente, em torno da contribuição de Mário Pedrosa – integram esta página. marxismo21 é grato a Dainis Karepovs que nos cedeu o texto abaixo (um dos capítulos de seu importante Na contracorrente da História, organizado juntamente com Fúlvio Abramo).
Os Editores
Mário Pedrosa
******
Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil
Mário Pedrosa e Lívio Xavier
O modo de produção capitalista e a acumulação – e, por consequência, a propriedade privada capitalista – foram exportados diretamente das metrópoles para o Novo Mundo. A base do sistema capitalista é a expropriação da massa popular; mas, nas colônias, em geral, o excesso de terra pode ser transformado em propriedade privada e meio individual de produção. Tendo sempre o colono livre a possibilidade de tornar-se proprietário de seu meio de produção, isto é, podendo o trabalhador acumular por si próprio, torna-se impossível a acumulação e o modo de produção capitalistas. Ali está a contradição que a burguesia da metrópole deveria resolver – “o segredo de sua floração e de sua gangrena” (Marx). A dependência do trabalhador em relação ao capitalista, proprietário dos meios de produção, teve de ser criada por meios artificiais: a apropriação da terra pelo Estado, que a converteu em propriedade privada, e a introdução da escravidão indígena e negra; numa palavra, a colonização sistemática.
No Brasil, a acumulação primitiva do capital fez-se de maneira direta: a transformação da economia escravagista em salariado do campo se fez diretamente e o afluxo imigratório, que já começara antes da abolição da escravatura, teve como objetivo oferecer braços à grande cultura cafeeira. Produziu-se aqui, portanto, o que Marx chama de “uma simples troca de forma”. O Brasil nunca foi, desde a sua primeira colonização, mais que uma vasta exploração agrícola. Seu caráter de exploração rural colonial precedeu historicamente sua organização como Estado. Nunca houve aqui terras livres; aqui também não conhecemos o colono livre, dono de seus meios de produção, mas o aventureiro da metrópole, o fidalgo português, o comerciante holandês, o missionário jesuíta — que não tinham qualquer outra base a não ser o monopólio das terras. Sob uma forma peculiar de feudalismo, todos vinham explorar a força de trabalho do indígena adaptado e do negro importado.
A classe dos pequenos proprietários, fator da pequena produção, geralmente anterior ao regime capitalista e cuja expropriação é um dos fatores determinantes deste, não pôde se desenvolver na formação econômica do Brasil. O Estado brasileiro se caracteriza sempre por rígido esquematismo de classe. A sociedade monárquica sustentava-se com a exploração do braço escravo por uma minoria de donos da terra e a monarquia vegetou dois terços de século em meio à turbulência dos vizinhos do continente, prolongando, através da passividade burocrática, a vida de um regime político já caduco. Trabalho escravo, latifundium, produção dirigida pelos senhores de terra com a sua clientela, burguesia urbana e uma camada insignificante de trabalhadores livres, tanto nas cidades quanto nos campos – tais foram as particularidades que marcaram com a sua chancela a formação econômica e política do Brasil e da América Latina, onde, em geral, a ausência de uma agricultura organizada teve como consequência a luta pela terra contra o indígena e a luta contra o monopólio do comércio detido pela coroa da Espanha. ler mais
******
Mário Pedrosa, Lívio Xavier e as origens do marxismo no Brasil.
Ricardo Figueiredo de Castro
O marxismo brasileiro ainda não é centenário. Apesar dos poucos brasileiros que citam e discutem superficialmente o “Mouro” no final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, é apenas a partir dos anos 1920 que no Brasil, efetivamente, os ensinamentos de Karl Marx e Friedrich Engels, tornam-se ferramenta analítica de compreensão da realidade e de sua transformação.
Os primeiros e principais marxistas brasileiros eram então militantes do Partido Comunista, seção brasileira da Internacional Comunista (Comintern). Astrogildo Pereira (1890-1965) e Octávio Brandão (1896-1980) compunham o primeiro núcleo dirigente do partido e foram responsáveis pelas primeiras tentativas de utilizar o marxismo como instrumento de compreensão da sociedade brasileira. Coube, inclusive, a Brandão a primazia de redigir o primeiro texto marxista sobre a realidade brasileira e de sua via revolucionária, Agrarismo e industrialismo, publicado em 1926.
Alguns poucos anos depois, em 1930, Mário Pedrosa (1900-1982) e Lívio Xavier (1900-1988) publicam um ensaio que viria se tornar a primeira contribuição marxista para o estudo da história do modo de produção capitalista em terras brasileiras: Esboço de uma análise da situaçãoeconômica e social do Brasil.
O texto foi originalmente publicado no no. 6 do jornal A Luta de Classe, em fins de setembro de 1930, mas foi apreendido quando do levante armado iniciado em 3 de outubro e que levou Getúlio Vargas ao poder, a “Revolução de 30” – fato que impediu que tivesse uma ampla circulação e divulgação. Apesar disso, serviu de base às discussões internas do grupo ao qual Pedrosa e Lívio pertenceram, a Oposição de Esquerda brasileira e, certamente, tornou-se uma das bases do processo de amadurecimento de análises marxistas ulteriores da realidade brasileira, especialmente entre os trotskistas. O texto foi devidamente recuperado no final dos anos 1980 quando Dainis Karepovs e Fúlvio Abramo publicaram o importante Na contracorrente da história. Este livro recuperou uma tradução francesa do texto editada na França e a traduziu para o português.
Marcos Del Roio reconhece que, naquela conjuntura, esta foi “a mais consistente reflexão do ponto de vista marxista sobre a formação social brasileira.” O Esboço de uma análise sobre a situação econômica e social do Brasil apresenta uma análise que leva em conta conceitos como modo de produção, formação social, meios de produção, acumulação primitiva de capital, propriedade privada, expropriação dos meios de produção. Embora seja apenas um esboço explicitado no próprio título, esse trabalho consegue analisar minimamente as condições históricas concretas da introdução do capitalismo na formação econômica brasileira. Há, pois, nesse curto ensaio uma sensibilidade teórica em articular o abstrato do modo de produção com o concreto da formação econômica e uma preocupação em demonstrar a especificidade do capitalismo brasileiro em relação ao seu caráter universal. Além deste texto os comunistas da Oposição de Esquerda também publicaram outro importante texto, o Projeto de teses sobre a situação nacional (ABRAMO, KAREPOVS, p. 143-169), publicado em 1933.
Estes dois textos são duas das principais análises de intelectuais marxistas sobre o Brasil elaboradas nos anos 1930. O fato de terem sido editados por uma organização marginalizada pela história das esquerdas brasileiras e do texto de 1930 ser apreendido logo após a edição explicam, em parte, o virtual desconhecimento destas publicações por parte da memória e da historiografia das esquerdas brasileiras. lermais
******
Tese e artigos
Estética e política em Mário Pedrosa (1930-1950), Marcelo Mari | acesso | |
A crítica operária e a revolução de 1930, Angelo José Silva | acesso | |
O Homem Livre: um jornal a serviço da liberdade (1933-1934), Ricardo Figueiredo de Castro | acesso | |
MP: um capítulo brasileiro da teoria da abstração, Otília Arantes | acesso | |
Atualidade de Mário Pedrosa, Otília Arantes | acesso | |
Mário Pedrosa: anotações sobre sua trajetória intelectual, Rafael Elia | acesso | |
MP, crítica da arte: debate nos anos 1950 e 2000, Sabrina Santa´Anna | acesso | |
Vida da crítica, percursos de Mário Pedrosa, Gláucia Villas Boas, | acesso | |
O Brasil dos trotskistas (1930-1960), Pedro Roberto Ferreira | acesso | |
O comunista que falava alemão, Ricardo Figueiredo de Castro | acesso | |
Os trotskistas frente à ANL e os levantes de 1935, Miguel Almeida | acesso | |
A Frente Única Antifascista e o antifascismo no Brasil (1933-1934), Ricardo Figueiredo de Castro | ||
Mário Pedrosa político: vida e obra, Manolo | acesso | |
A Luta de Classe: o Brasil pelo viés dos trotskistas (1930-1939), Glaucia Vieira Lisboa e Roberto Lisboa | acesso | |
O trotskismo no Brasil nos anos 1930: historiografia e fontes, G. Lisboa e R. Lisboa | acesso | |
Os trotskistas brasileiros e a revolução de 1930, Michel Silva | acesso | |
Na contracorrente da história (resenha) | acesso |
Livro, documentos, sites
Mário Pedrosa e o Brasil, J. Castilho Neto (org.) | acesso |
Mário Pedrosa, itinerário crítico, Otília Arantes | acesso |
Acervo Mário Pedrosa | acesso |
Biblioteca Lívio Xavier | acesso |
Centro de documentação do movimento operário M. Pedrosa (Cedem-Unesp) | acesso |
Vídeo
Formas de Afeto, dir. Niva Galanternick
Poema
PERDA
Mário Pedrosa
Foi no dia seguinte. Na janela pensei:
Mário não existe mais.
Com seu sorriso o olhar afetuoso a utopia
entranhada na carne
enterraram-no
e com suas brancas mãos de jovem de 82 anos.
Penso – e vejo
acima dos edifícios mais ou menos à
altura do Leme
uma gaivota que voa na manhã radiante
e lembro um verso de Bürnett: “no acrobático
milagre do verão”.
E Mário?
A gaivota voa
fora da morte:
e dizer que voa é pouco:
ela faz o verão
com asa e brisa
o realiza
num mundo onde ele já não está
para sempre
E penso: quantas manhãs virão ainda na historia da Terra?
É perda demais para um simples homem.
(Ferreira Gullar, Toda Poesia)