Com Marx para além do marxismo

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Com Marx para além do marxismo

Moishe Postone. Tempo, trabalho e dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. São Paulo: Boitempo, 2014, 483 ps. Tradução Amilton Reis e Paulo Cézar Castanheira.

Por Leomir C. Hilário – Doutorando em Psicologia Social pela UERJ.

 O lançamento do livro de Moishe Postone – Tempo, trabalho e dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx – pela editora Boitempo vem preencher uma lacuna na esquerda brasileira engajada na reflexão acerca da obra de Marx. Em primeiro lugar, porque este autor e esta obra se inscrevem no quadro maior daquilo que se tem chamado internacionalmente de crítica do valor (Wertkritik), ainda relativamente desconhecida entre nós. Trata-se de uma tradição minoritária da crítica social de inspiração marxiana que busca suas chaves de análise nas categorias básicas da crítica de Marx (tais quais valor, mercadoria e fetichismo) como ferramentas de compreensão do mundo atual. Esta tradição se opõe diametralmente ao que seus autores chamam de “marxismo do movimento operário” ou “marxismo tradicional”, caracterizado pela análise cuja ênfase é o problema da distribuição do capitalismo, sem tocar na questão do modo de produção. Para uma apreciação desta tradição, ver Jappe (2006); bem como a introdução do último livro de Kurz (2014). Pertencem a esta corrente nomes como Robert Kurz, Anselm Jappe, Jean-Marie Vincent, Antoine Artous, Roswitha Scholz, Norbert Trenkle, Ernst Lohoff, dentre outros. Todos têm em comum a centralidade da crítica do fetichismo e do modo de produção capitalista, em que pesem algumas diferenças entre suas análises[1].

A tese mais conhecida, compartilhada por estes autores, é a de que, desde a década de 1970 e a terceira revolução tecnológica, não haverá nenhum novo impulso de acumulação secular capaz de renovar significativamente o modo de produção capitalista e consolidar um novo ciclo sistêmico de acumulação e crescimento. O capitalismo entrou, para esta perspectiva, desde o final do século XX, numa era de declínio, colapso e desintegração: uma crise estrutural (e não cíclica) do capitalismo. A derrocada do socialismo real (chamado por Kurz de “socialismo de caserna”) não significa o fim da possibilidade emancipatória para além do capitalismo, tampouco a sua vitória triunfal, mas o início de uma era de crise globalizada, no interior da qual a falência do “socialismo real” é um aspecto da crise mais ampla do sistema capitalista, do “colapso da modernização”. O problema histórico dessa tradição é o de como pensar a superação do capitalismo após o retrocesso do Estado de Bem-Estar Social na Europa, a queda do socialismo real e dos partidos-Estado burocráticos do Leste Europeu e da emergência do neoliberalismo a nível global.

Em segundo lugar, podemos situar a obra de Moishe Postone e esta tradição na qual ele se inscreve no campo mais amplo das releituras de Marx no século XXI, isto é, daquilo que Roberto Fineschi (2008) chama de “novo Marx” ou daquilo que Marcello Musto (2009) chama de “a redescoberta de Marx”. A partir da segunda Marx-Engels-Gesamtausgabe [projeto de edição das obras completas de Marx e Engels](MEGA), começa-se um processo de questionamento frontal da sistematização da obra de Marx e Engels no sentido do entendimento desta obra como essencialmente aberta e incompleta. O Marx que emerge desta nova edição histórico-crítica é bem diferente tanto dos seus seguidores quanto de seus opositores do século XX, um Marx amplamente desconhecido, cuja obra (in)completa chegaria a 142 tomos. Liberado da função de instrumento de poder, o pensamento de Marx vem sendo reorientado e ressignificado por vários autores, dentre os quais se localiza Moishe Postone. Por isso, não é por acaso que este “novo Marx” se apresente por meio de uma crítica categorial incomum para a maioria das tradições marxistas: em resumo, trata-se de ir com Marx para além do marxismo. Por exemplo, a contradição fundamental do capitalismo não será vista a partir do antagonismo social entre classes contrapostas. Ao contrário, este conflito é compreendido como parte do invólucro da forma-mercadoria, razão pela qual a contradição do capitalismo é vista muito mais como a subsunção das formas concretas de vida às formas abstratas de reprodução social mediada pelo valor, daí a centralidade dos conceitos de alienação e fetichismo da mercadoria.  Ler mais

 

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