GOLDMAN, Wendy. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936. – 1. Ed. – São Paulo: Boitempo : Iskra Edições, 2014.
Fabiana Sanches Grecco, doutoranda em Ciência Política, IFCH/Unicamp
“Não é o trabalho feminino em si que rebaixa os salários ao entrar em competição com o trabalho masculino, mas a exploração do trabalho feminino pelos capitalistas que dele se apropriam” (Clara Zetkin, em seu discurso no Congresso de Fundação da Segunda Internacional em 1889, apud GOLDMAN, 2014, p. 62).
Uma das características peculiares do modo de produção capitalista é criar uma contradição entre as demandas do trabalho e as necessidades da família. Para os bolcheviques, essa contradição, sentida de forma mais dura pelas mulheres, entre muitos motivos, por carregarem uma dupla carga de trabalho, só se resolveria no socialismo. Assim, os impulsos mais importantes da legislação soviética tinham no horizonte a liberação e a independência das mulheres e a dissolução da família. O trabalho doméstico deveria ser transferido para a esfera pública e realizado por trabalhadoras e trabalhadores assalariados em refeitórios, lavanderias e creches comunitários. A partir de então se dissolveriam as desigualdades de gênero, o casamento se tornaria supérfluo e seria substituído gradualmente pela “união livre”. “Arrancada de suas funções sociais prévias”, a família definharia gradualmente, da mesma forma que as leis necessárias ao período de transição (GOLDMAN, 2014).
As características mais contundentes da legislação soviética do período imediato à revolução de 1917 ainda inspiram boa parte dos debates sobre a dissolução das desigualdades de gênero. Avanços vividos naquela sociedade, mesmo que por curtos períodos, como a legalização do aborto e o amplo acesso a creches e refeitórios públicos, bem como uma legislação trabalhista bastante elaborada, com licença-maternidade remunerada, e restrições de trabalho para mulheres grávidas e lactantes, entre outras medidas de caráter transitório, formam um conjunto de pautas bastante atual, mas ainda pouco experimentadas, sobretudo no Brasil.
É nesse sentido que é possível dizer que a edição brasileira do livro Women, the State and Revolution: Soviet Family Policy and Social Life, 1917-1936 (1993), de autoria da historiadora estadunidense Wendy Goldman[1], além de apresentar, em língua portuguesa, elementos para o debate sobre a vida das mulheres em sociedades socialistas, trouxe ao país um “novo fôlego” aos debates socialistas sobre as condições de vida das mulheres no capitalismo. Esse “novo fôlego” foi alavancado ainda mais com a presença de Goldman em um ciclo de conferências, organizado na ocasião do lançamento de Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936 (2014), no qual a autora evidenciou o debate soviético sobre como criar as condições para a independência e a liberação das mulheres. ler mais
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