Os textos que integram este dossiê foram, em sua maioria, redigidos no calor da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e expressam diferentes abordagens do conflito por parte de alguns dos principais teóricos e dirigentes do Socialismo Internacional no início do século 20. Eles recobrem não apenas a avaliação da guerra e seus significados, mas também o processo revolucionário russo, em seus dois momentos; ao longo de 1917 e das dificuldades e problemas da consolidação do poder revolucionário da jovem república soviética. Fazem parte também desta seleção – que não pretende ser definitiva nem sequer exaustiva – capítulos da obra do historiador sueco Bo Gustafsson que aborda um dos mais importantes debates do movimento socialista europeu pré-guerra, aquele suscitado pela discussão das teses revisionistas de Eduard Bernstein (1850-1932). Divulgam-se também um clássico livro e um ensaio deste autor; este último texto integra o Bernstein-Debatte que é objeto de um elucidativo artigo de autoria de Antonio Bertelli.
Somos gratos a Leandro Galastri, atuante membro do Conselho Editorial, pela colaboração na organização deste dossiê.
Editoria
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O Socialismo internacional e a primeira Guerra Mundial
Muniz Ferreira, comitê editorial
A deflagração da I Guerra Mundial no mês de julho de 1914, além de haver significado um acontecimento sem precedentes para os povos europeus, assinalou também o início da mais grave cisão jamais sofrida pelo movimento operário e socialista internacional.
Sua ocorrência se verificou em um contexto no qual percepções divergentes de previsibilidade e imprevisibilidade atingiram os representantes políticos da burguesia e do proletariado europeus de então.
Despois da vitória alemã na Guerra Franco Prussiana de 1870-1871, começaram a se delinear diferentes sistemas de alianças entre as principais potências europeias, fraturando desde o seu interior política e diplomaticamente o status quo territorial e militar instaurado pela Convenção de Viena.
A negociação de acordos, pactos e tratados públicos e (principalmente) secretos corroía sub-repticiamente os alicerces sobre os quais se apoiava o precário equilíbrio de poder entre as grandes potências do continente.
Também no plano teórico e cultural verificava-se uma evolução, através da qual o legado da ilustração francesa e as correntes de pensamento democrático e socialista passavam a ter suas influências renhidamente disputas, quando não notoriamente superadas pelas correntes de ideias ligadas, não apenas ao conservadorismo autocrático e monárquico, características do período da Restauração na França, mais também das novas concepções, racistas, irracionalistas e social-darwinistas.
Estes fenômenos histórico-políticos atuavam como impulsionadores de ações estatais voltadas intencionalmente para um “ajuste de contas” que para alguns – como a Terceira República Francesa, principalmente – proporcionasse uma reparação das perdas econômicas demográficas e territoriais da guerra 1870-1871. Para o Império Alemão tratava-se de eliminar definitivamente a competição com a França, consolidando sua hegemonia na Europa Ocidental. Já o Império Tzarista ambicionava ampliar sua influência sobre o continente europeu, infiltrando-se na região balcânica, onde um movimento pan-eslavista, que se rebelava contra duas potências imperiais em acelerada decomposição (os impérios Habsburgo e Otomano), parecia clamar por sua intervenção.
O Imperialismo
O fundamento econômico e social desta processualidade história encontrava-se – na avaliação de alguns dos principais analistas do movimento socialista internacional – nas transformações econômicas que caracterizavam o desenvolvimento do capitalismo mundial desde as últimas décadas do século XIX.
Após uma crise econômica que se estendeu da segunda metade dos anos 1870 até o inicio dos anos 90, ocorreram mudanças significativas na organização do sistema capitalista. Em primeiro lugar, uma grande concentração e centralização do capital na economia e na indústria das principais potências capitalistas europeia, assim como nos Estados Unidos.
Uma intensa e abrangente renovação tecnológica levou ao aparecimento de novos processos produtivos e a estruturação de indústrias, como a siderurgia, a indústria química, de automóveis, petroquímica e etc. Estas novas empresas exigiam desde o seu estabelecimento a abertura de seus capitais a uma gama maior de investidores e um entrelaçamento profundo as instituições bancárias, gerando o advento do capital financeiro.
O crescimento sem precedentes da escala de produção, a ampliação dos custos daí decorrentes, os compromissos para com um número crescente de investidores e a subordinação à lógica do capital financeiro impulsionaram os monopólios capitalistas à uma corrida frenética por novos mercados consumidores, fontes de matérias e candidatos á contratação de empréstimos bancários, no exterior.
A Segunda Internacional
Entre as modificações sociais geradas pela chamada Segunda Revolução Industrial, cujos contornos gerais foram mencionados acima, constam o crescimento quantitativo da classe operária, e a sua concentração em grandes conglomerados urbano-industriais. Estes fenômenos também tiveram, entre os seus corolários, o incremento da percepção da magnitude de sua importância social, por um número crescente de trabalhadores, favorecendo a formação de grandes sindicatos e partidos operários de massas.
Tal fator, por sua vez, gerou condições mais favoráveis à divulgação das ideias socialistas, dentre as quais, aquelas formuladas por Marx e Engels. Com o passar do tempo, partidos operários influentes e contando com o apoio de importantes contingentes de trabalhadores tornaram-se receptores e difusores de elaborações teóricas e/ou programáticas destes autores. Por outro lado, tais formulações eram simplificadas e esquematizadas para fins de popularização, acarretando certo prejuízo de seus elementos mais ricos e complexos e favorecendo sua assimilação às abordagens economicistas, positivistas e deterministas. ler mais
I. Sobre a Guerra e a construção do Socialismo
KAUTSKY, Karl, “Imperialismo e a Guerra” (Die Neue Zeit em 11 de setembro de 1914)
“Preparação para a Paz” (Neue Zeit 1 de outubro de 1914)
KOLLONTAI, Alexandra, “Quem precisa da guerra?” (1915)
LENIN, Vladimir, “O que não se deve imitar do movimento operário alemão” (Proveschenie, no.4, Abril de 1914).
“Sobre o direito das nações à autodeterminação” (Prosvechtchénie n.º 4, 5 e 6, Abril-Junho de 1914)
“A Guerra e a Social-Democracia da Rússia” (Sotsial-Demokrat n.° 33, 1 de Novembro de 1914)
“Acerca do Orgulho Nacional dos Grão-Russos”( Sotsial-Demokrat n.° 35, 12 de Dezembro de 1914)
“Sobre o Derrotismo Durante a Guerra Imperialista”
“Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa” (Sotsial-Demokrat n.° 44, 23 deAgosto de 1915).
“Nota da Redação do “Sotsial-Demokrat” Sobre o Manifesto do CC do POSDR Acerca da Guerra” (Em Agosto de 1915 na brochura O Socialismo e a Guerra, editada em Genebra pela redação do Jornal Sotsial-Demokrat.).
“O Oportunismo e a Falência da II Internacional” (Revista Vorbote, nº1, Janeiro de 1916 )
O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo (tomo 2 das Obras Escolhidas em seis tomos, de V. I. Lénine, Editorial «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1984)
“O Programa Militar da Revolução Proletária” (Primeira edição: em Setembro e Outubro de 1917 no jornal Jugend-Internationale, n.° 9 e 10. Em russo foi publicado pela primeira vez em 1929 nas 2.ª e 3.ª eds. das Obras Completas de V. I. Lénine, t. 19.)
“Sobre a Tendência Nascente do “Economismo Imperialista” (Primeira edição: em 1929, na revista Bolchevik, n.° 15)
“Imperialismo e a Cisão do Socialismo” (Sbornik Sotsial-Demokrata No. 2, December 1916, Lenin Collected Works, Progress Publishers, 1964, Moscow, Volume 23, pages 105-120. Traduzido do Russo para o Inglês por M. S. Levin, The Late Joe Fineberg e outros).
“Cartas de Longe” (Publicado sob forma resumida em 21 e 22 de Março de 1917 no jornal Pravda, nos. 14 e 15, e publicado integralmente pela primeira vez em 1949, na 4.a ed. das Obras de V. I. Lénine, t. 23.)
Discurso a Favor da Resolução Sobre a Guerra (Publicado pela primeira vez em 1921, nas Obras de N. Lenine (V. Uliánov), t. XIV, parte II.)
“Resolução Sobre a Guerra” (Pravda, n.° 44, de 12 de Maio (29 de Abril) de 1917.)
“Resolução Sobre o Momento Actual” (Publicado em 16 (3) de Maio de 1917 como anexo ao n.º 13 do Soldátskaia Pravda.)
“Para a História da Questão da Paz Infeliz” (As teses foram escritas a 7 (20) de janeiro; a tese 22 foi escrita a 21 de Janeiro (3 de Fevereiro); a introdução foi escrita em Fevereiro, antes de 11 (24), de 1918.)
“Posfácio às Teses Sobre a Questão da Conclusão Imediata de uma Paz Separada e Anexionista” (Publicado pela primeira vez em 1929 na Colectânea Leninista, t. XI.)
“Discursos Sobre a Guerra e a Paz na Reunião do CC do POSDR(b)” (Publicado pela primeira vez em 1922 nas Obras de N. Lenine (V. Uliánov), t. XV; a terceira intervenção foi publicada em 1929 no livro Actas do CC do POSDR. Agosto de 1917–Fevereiro de 1918.)
“Projecto de Radiograma ao Governo do Império Alemão” (O radiograma foi publicado a 19 (6) de Fevereiro de 1918 no n.º 30 do Pravda (edição vespertina).
“A Pátria Socialista Está em Perigo!” (Pravda, n.° 32, 22 (9) de Fevereiro de 1918, e Izvéstia TsIK, n.º 31, 22 (9) de Fevereiro de 1918).
“Uma Lição Dura, mas Necessária” (Pravda, nº 35 (edição vespertina). 25 (12) de Fevereiro de 1918. Assinado: Lénine.)
“Posição do CC do POSDR (Bolchevique) na Questão da Paz Separada e Anexionista” (Primeira edição: a 26 (13) de Fevereiro de 1918 no n.º 35 do Pravda)
“Projecto de Decreto do CCP (Conselho de Comissários do Povo) Sobre a Evacuação do Governo.” (Primeira edição: em 1929, na Colectânea Leninista, t. XI).
“Estranho e Monstruoso” (Pravda, n.º 37 e 38; 28 (15) de Fevereiro e 1 de Março (16 de Fevereiro) de 1918. Assinado: N. Lenine) .
“V Congresso de Toda a Rússia Dos Sovietes de Deputados Operários, Camponeses, Soldados e Combatentes do Exército Vermelho” (Publicado em 1918 no livro O V Congresso de Toda a Rússia dos Sovietes. Registro taquigráfico. Ed. pelo CEC de Toda a Rússia).
LIEBKNECHT, Karl, “Os Próximos Objetivos da Vossa Luita” (folha volante do grupo “Internationale”)
LUXEMBURG, Rosa, A Crise da Social-Democracia (Folheto Junius) – Socialismo ou Barbárie? ( 1a. edição: em Zurique, Fevereiro 1916, e distribuído ilegalmente na Alemanha)
GRAMSCI, Antônio, Wilson e os Maximalistas Russos (Il Grido del Popolo, 2 de Março de 1918)
II. Sobre Bernstein e o revisionismo
BERNSTEIN, Eduardo, Las premisas del socialismo y las tareas de la social-democracia
________________, O revisionismo na social-democracia
GUSTAFSSON, Bo, Marxismo e revisionismo. A crítica bernsteinniana do marxismo e suas premissas histórico-ideológicas, parte I, II, III e IV
BERTELLI, Antônio, O pano de fundo histórico-teórico do Bernstein-Debatte
GALASTRI, Leandro, Revisionismo latino e marxismo
ARCARY, Valério, Cem anos da I GM: imperialismo contemporâneo e a social- democracia alemã em perspectiva histórica