A obra e a contribuição teórica de Ruy Mauro Marini (1932-1997) são os temas desta postagem de marxismo21. Abre este dossiê um artigo do autor sobre os impasses e os desafios que, hoje, se colocam na retomada da luta pelo socialismo. Por sua vez, Carlos Eduardo Martins, professor da Universidade Federal do Rio do Janeiro e empenhado estudioso da obra de Marini – num breve texto elaborado especialmente para o blog – busca sintetizar as principais contribuições teóricas do cientista social brasileiro para o pensamento crítico na América Latina. Outros textos de Marini, informações de acervos e fontes para o conhecimento de sua obra, artigos e trabalhos acadêmicos completam este conjunto de materiais em torno do cientista social que – talvez pelo caráter comprometido e revolucionário de sua obra – ainda permanece ignorado e pouco debatido, inclusive nos meios intelectuais e acadêmicos de seu país. Prova eloquente disso é a singular observação: se alguns textos de Ruy Marini (ou alusões à sua obra) se encontram em revistas brasileiras de esquerda, inexiste um único artigo desse autor (ou sobre sua extensa produção intelectual) em revistas universitárias do país.
Agradecendo a colaboração de Carlos Eduardo Martins, devemos informar que a organização deste dossiê se deve à iniciativa de Danilo Martuscelli, membro do comitê editorial de marxismo21. Editores
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Duas notas sobre o socialismo *
Ruy Mauro Marini
A crise em que o movimento socialista ingressou desde meados da década passada, especialmente no Ocidente, pode ser objeto de duas considerações. A primeira consiste em não perder de vista que essa crise é parte de um processo teórico e prático no qual se articulam os distintos movimentos que, no plano das idéias e da luta social e política, realizaram a crítica do capitalismo como modo de organização da vida social. De Sismondi à esquerda ricardiana, de Owen a Marx, de Kautski e Hilferding a Lenin, Rosa Luxemburgo, Trotski e Gramsci, a teoria socialista revelou os fundamentos da economia capitalista e da sociedade burguesa; evidenciou a perversidade estrutural e a expropriação do trabalho social que elas propiciam, e armou ideologicamente os povos que contra elas lutaram.
Têm sido muitos esses povos, desde os operários parisienses de 1871 e os destacamentos operários-camponeses da Rússia até as massas espoliadas da China, Cuba, Vietnã, Angola, Nicarágua. Mais de um terço da humanidade optou, em seu momento, pela recusa ao capitalismo e em favor do desenvolvimento social orientado para a supressão das desigualdades de classe e para a implantação de uma democracia radical de massas. Sob essas bandeiras, e ainda suportando o isolamento e as agressões internacionais, partindo de um atraso econômico e social sem paralelo entre as potências ocidentais, a União Soviética conquistou, em pouco mais de trinta anos, uma posição destacada no cenário mundial. Em todos os países que tomaram esse rumo, as necessidades básicas da população em matéria de educação, saúde e alimentação se viram satisfeitas e acabaram as agruras e o desemprego. ler mais
* Texto originalmente publicado em Lutas Sociais, vol. 5, 1998.
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O legado de Ruy Mauro Marini para as Ciências Sociais
Carlos Eduardo Martins
Ruy Mauro Marini foi um dos principais cientistas sociais latino-americanos. Sua obra é marcada por uma profunda criatividade que se expressa no rigor do uso dialético do método marxista para compreender a realidade latino-americana e o desenvolvimento da economia mundial. Ao fazê-lo, o autor redefine as leis gerais da acumulação do capital desdobrando as categorias abstratas na realidade concreta, seguindo o plano de Marx nos Grundrisse, onde este nomeava cinco níveis de aproximação do pensamento à realidade para reconstituí-la como concreto espiritual: a) as categorias básicas da realidade (território, população etc); b) a definição das principais categorias internas da sociedade burguesa (capital, trabalho e renda da terra) c) a síntese destas relações no Estado; d) as relações internacionais de produção; e e) o mercado mundial e as crises.
Partindo de uma totalidade mais ampla do que a teorizada pelo pensamento eurocêntrico, que via a Europa Ocidental a partir de suas relações internas e o mundo como um espaço a ser ocupado por seu desdobramento externo, Marini inclui no conceito de economia mundial, as relações internacionais de produção e o mercado mundial, inscrevendo aí centro, periferia e os países socialistas. No âmbito destas relações se constitui o padrão mundial de reprodução do capital e o lugar que nele ocupa a América Latina e seus países, ou a Europa Ocidental e os Estados Unidos, por exemplo. Entre os temas que o autor abordou em sua obra estão o capitalismo dependente e sua especificidade, as questões da transição ao socialismo, o balanço do pensamento social latino-americano e a análise dos processos de globalização.
Em sua análise do capitalismo dependente, o autor desenvolve conceitos de enorme fecundidade para a interpretação dos processos de acumulação de capital na América Latina. São os conceitos de superexploração do trabalho, subimperialismo, Estados de contra-insurgência e Estados de quarto poder.
O conceito de superexploração do trabalho designa a queda dos preços da força de trabalho por debaixo de seu valor e pode ocorrer através de três mecanismos: redução salarial, elevação da intensidade de trabalho ou aumento da jornada de trabalho, ambos sem o aumento da remuneração equivalente à maior utilização e desgaste da força de trabalho. Segundo Marini, a superexploração é o resultado de compensações que visam neutralizar transferências de mais-valia dos capitais de menor intensidade tecnológica para aqueles que desfrutam de situação monopólica. Estas transferências se originam nos processos de concorrência inerentes à circulação do capital e são impulsionadas, principalmente, pela mais-valia extraordinária, mas também pelos preços de produção. A mais valia-extraordinária assume uma forma intersetorial concentrando progresso técnico no segmento de bens de consumo suntuário e criando demanda para a expansão de suas mercadorias pela substituição de força de trabalho por maquinaria. Desta forma, sustenta os seus preços, apesar de desvalorizar individualmente o produto. ler mais
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I. Fontes para pesquisar a obra de Ruy Mauro Marini
Ruy Mauro Marini – Memória | |
Acervo Ruy Mauro Marini | |
Escritos de Ruy M. Marini | |
Intérpretes do Brasil |
II. Textos de Ruy Mauro Marini
III. Textos sobre aspectos da obra de Ruy Mauro Marini
Dossiê “90 anos de Ruy Mauro Marini/50 anos de Dialética de la Dependencia“, Revista Reoriente
A atualidade do pensamento de Ruy M Marini, Pierre Salama | acesso |
O pensamento social e atualidade da obra de RMM, C. Eduardo Martins | acesso |
A interpretação marxista de Ruy Marini, Adolfo Wagner | acesso |
Estado no pensamento político de Ruy Mauro Marini, José C. Mendonça | acesso |
Superexploração do trabalho e acumulação de capital, C. E. Martins | acesso |
A superexploração da força de trabalho no Brasil, Mathias S. Luce | acesso |
A atualidade do conceito de superexploração do trabalho, Fábio M. Bueno e Raphael Seabra | acesso |
A teoria do subimperialismo brasileiro, Fábio M. Bueno e Raphael Seabra | acesso |
O atual resgate crítico da teoria marxista da dependência, Marcelo Carcanholo | acesso |
A trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil: um não-debate, Fernando Prado | acesso |
A economia política do subimperialismo, Mathias S. Luce | acesso |
La dependencia a debate, Roberto López | acesso |
RMM: dependência e intercâmbio desigual, João Machado | acesso |
IV. Trabalhos acadêmicos em universidades brasileiras
A teoria do subimperialismo em Ruy Mauro Marini, Mathias Luce | acesso |
O capitalismo dependente brasileiro: o debate entre Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marini | acesso |
Um estudo sobre a vertente marxista da dependência, Maira Bichir | acesso |
V. Duas obras recentes sobre a obra e vida de Ruy Marini
A América Latina e os desafios da globalização, vv. aa.
Ruy Mauro Marini: vida e obra, R. Traspadini e J.P. Stedile
2 Comentários
Caros, o Marini também não publicou alguns textos sobre o Chile e a experiência da UP? Não os vi por aqui, é muito difícil encontrá-los?
No site que indicamos sobre o conjunto da obra de Marini vc. poderá esclarecer sua dúvida.